quarta-feira, 24 de junho de 2009

Durante muito tempo, houve uma divisão entre Geometria e Matemática. Depois, a Geometria passou a ser ensinada dentro dos conteúdos da área/disciplina de Matemática, mas era sempre relegada ao último bimestre ou mês, aparecendo, geralmente, no capítulo final dos livros didáticos. Com isso, muitos de nós, professores, tivemos uma formação deficitária nesta área.
Hoje, com o avanço das pesquisas em Educação Matemática no mundo e em nosso país, a Geometria está presente não só nos livros didáticos, como em revistas e vídeos educativos. Já existe uma bibliografia específica, bem como diversos livros – os chamados paradidáticos – que auxiliam o professor a trabalhar a Geometria nos diversos ciclos, trazendo um pouco da história e propondo atividades interessantes e criativas.
Se olharmos brevemente a História, vamos encontrar em Heródoto, historiador do século V a.C., relatos que explicam como eram divididas as terras para tributação no Antigo Egito. As civilizações de beira-rio (as do Nilo e também as dos rios Tigre, Eufrates, Ganges, Indo em outras regiões) desenvolveram uma habilidade em engenharia na drenagem de pântanos, na irrigação, na defesa contra inundação, na construção de templos e edifícios. Era uma Geometria prática, em que o conhecimento matemático tinha uma função meramente utilitária. De acordo com essa função, a Geometria, que significa "medida de terra", associa-se à prática de medição das terras, como por exemplo: a demarcação dos lados de um terreno; a idéia de área para a tributação e para a divisão entre herdeiros; a idéia de volume na irrigação; a construção de templos etc.
A partir destas observações, percebemos que a Matemática era vista pelos gregos, dos anos 500 a.C. até 300 d.C., através da Geometria.
Os números eram medidas de comprimento e, quando eles encontraram comprimentos diferentes dos números naturais (por exemplo, a medida da diagonal de um quadrado de lado 1 unidade), uma conseqüência imediata foi desacelerar o estudo dos números.
Na atualidade, a Matemática ainda é vista, de modo geral, como a disciplina da "resposta certa". Esta visão, entretanto, pode interferir no processo de aprendizagem e evitar que os estudantes expressem seus pensamentos matemáticos, que aprendam com seus erros, que testem suas hipóteses e as reformulem ou as defendam. Seria interessante se pudéssemos ajudar a transformar a tradicional pergunta dos estudantes: "Isso está certo?" para "Como eu posso desenvolver minha autoconfiança e julgar se estou no caminho certo quando resolvo um problema?" Esta é sem dúvida uma tarefa bastante difícil, mas muito gratificante. Este é o objetivo da série Geometria em questão: discutir a possibilidade de promover esta transformação nas aulas envolvendo a Geometria.
Para possibilitar esta mudança, é importante pensar sobre o que promove a aprendizagem e o que promove o acúmulo de informação. O estabelecimento de relações, a leitura e escrita de textos, o confronto entre suposições e dados obtidos durante a investigação e o diálogo são procedimentos fundamentais para a aprendizagem, em contraposição ao ensino de algoritmos e "decorebas".
Adotamos a visão de que conhecimento e informação pertencem a classes distintas. Podemos dar informação (oral ou escrita) a outra pessoa e, com o uso de tecnologias, podemos até transferir informação de um local a outro, via Internet, ou utilizando fitas cassete de áudio ou vídeo, mas não podemos fazer o mesmo com o conhecimento. E o que é conhecimento? Certamente não é mais o simples "recitar" sobre um determinado tema. Ao perguntarmos qual é o teorema de Pitágoras, um aluno pode recitar "o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos". Mas, na maioria das vezes, ele nem sabe o que é um cateto. Deste modo, "recitar" o teorema não mostra que o aluno conhece o que ele está "recitando" . Entendemos que para haver conhecimento é preciso não só uma afirmação, ou uma definição, mas também uma justificação, uma explicação. Por exemplo, se pedirmos para dois alunos desenharem um triângulo, os dois podem até desenhar a mesma figura. Mas, ao pedir que eles expliquem "o que é um triângulo", um deles pode dizer: "É uma figura pontuda" e o outro: "É uma figura de três lados e três pontas". Dessa forma, pela justificação, ou seja, pela maneira como são dadas as explicações, podemos observar que os dois têm conhecimentos diferentes sobre triângulo.
Além de pensar na diferença entre conhecimento e informação, é importante refletir sobre a filosofia que está por trás de alguns mitos do ensino de Matemática. Somente a partir destas reflexões é que o professor pode escolher como será planejada e desenvolvida a sua aula.
É muito comum ouvirmos "a Geometria está em toda parte" ou "precisamos descobrir as formas geométricas", ou outras frases parecidas. Isto nos leva a aceitar que existe uma Geometria que não foi construída pelo ser humano. Falando assim, de maneira apressada, pode parecer óbvio que as únicas idéias matemáticas que um ser humano pode ter são as que seu cérebro permita. Portanto, a Matemática que conhecemos e ensinamos é criada e conceitualizada por nós, humanos. Por isso a ciência evolui, são criados novos teoremas, novas formas e novos modos de investigação.
Na Física, por exemplo, o estudo da Física Quântica permitiu um avanço tão grande neste campo da ciência quanto o conhecimento dos genomas, nos estudos de Biologia, vai permitir neste século. O que nós professores temos que ensinar aos alunos é o prazer da investigação do novo, para que eles possam ir além da reprodução de um punhado de teoremas.
A Geometria pode ser vista como o estudo das formas e do espaço, de suas medidas e de suas propriedades. Os alunos descobrem relações e desenvolvem o senso espacial construindo, desenhando, medindo, visualizando, comparando, transformando e classificando figuras. A discussão de idéias, o levantamento de conjeturas e a experimentação das hipóteses precedem as definições e o desenvolvimento de afirmações formais. A exploração informal da Geometria pode ser motivadora e matematicamente produtiva, nos primeiros ciclos do Ensino Fundamental. Nesta etapa, o ensino de Geometria deve recair sobre a investigação, o uso de idéias geométricas e relações, ao invés de se ocupar com definições a serem memorizadas e fórmulas a serem decoradas.
A Geometria constitui parte importante do currículo, pois a partir dela o aluno desenvolve o pensamento espacial. A ação é de mão dupla: ao mesmo tempo que o aluno desenvolve este tipo de pensamento, descrevendo a sua própria ocupação e movimentação do espaço, é também através desse raciocínio que ele descreve e representa o mundo em que vive. É um processo dinâmico.
Trabalhando o pensamento geométrico estaremos contribuindo para a aprendizagem de números e medidas. As atividades geométricas, como outras em Matemática, permitem também ao aluno identificar regularidades, buscar semelhanças e diferenças, argumentar a favor ou contra, fazer conjeturas.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, é importante que dois caminhos impulsionem o trabalho com a Matemática em sala de aula: as aplicações no cotidiano e as aplicações e avanços na própria ciência Matemática. A Geometria ajuda a falar da inserção do homem no espaço Terra, da utilização deste espaço, da sua divisão, e da construção de estratégias para resolver problemas relacionados à forma e ao espaço.
O desenho da planta de uma casa ou de um terreno requer habilidades e competências que envolvem semelhança de figuras, proporcionalidade e métodos qualitativos e quantitativos, para verificar se um determinado lado da casa pode realmente ser daquele tamanho ou se deveria ser menor.
Este tipo de atividade tem um papel de forte relevância social, pois os impostos sobre apartamentos (IPTU) ou terrenos dependem, fundamentalmente, da área dos mesmos.
O avanço tecnológico nos coloca em uma nova era. E a sala de aula onde fica? Com o desenvolvimento de programas de computador interativos e dinâmicos, podemos entender alguns problemas da Geometria mas, sobretudo, podemos formular novos problemas.
Enfatizamos a diferença entre educar e ensinar. O modelo pedagógico cujo sentido é ensinar valoriza os conteúdos como chave do processo: trata-se de passar informações e de verificar a assimilação das mesmas via avaliações. Esperamos com essa série trazer opções para o professor que escolhe educar e, portanto, que não se preocupe apenas em trazer para a sala de aula informações gerais, muitas vezes descontextualizadas, mas sim em oferecer a seus alunos uma informação pedagogicamente mediada.
Fonte: http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2001/gq/gq0.htm

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